Justiça Federal absolve Samarco por rompimento de barragem em Mariana
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil (07/11/2015)
Da Redação
A Justiça Federal absolveu a Samarco, a Vale e a BHP Billiton, bem como outros indiciados pelo rompimento da Barragem do Fundão, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, em Mariana. A decisão foi publicada nesta quinta-feira (14 de novembro) pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região, de Ponte Nova, nove anos após a tragédia.
Entre os absolvidos, está Ricardo Vescovi de Aragão, presidente da mineradora na época do ocorrido. Além dele e das empresas envolvidas, outros seis réus, que ocupavam cargos de diretoria, gerência e conselheiros, também foram absolvidos pela Justiça. Na justificativa, a juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho cita “atipicidade da conduta”, “estar provado que os réus não concorreram para as infrações penais” e por “ inexistir prova suficiente para condenação”.
Na sentença a qual a reportagem de O TEMPO teve acesso, há a argumentação de que atribuir ao Direito Penal a função principal na gestão de riscos extremos “nem sempre é adequado”. A juíza aponta que deveria-se investigar as causas técnico-científicas do evento para prevenir futuros incidentes.
“Após uma longa instrução, os documentos, laudos e testemunhas ouvidas para a elucidação dos fatos não responderam quais as condutas individuais contribuíram de forma direta e determinante para o rompimento da barragem de Fundão. E, no âmbito do processo penal, a dúvida – que ressoa a partir da prova analisada no corpo desta sentença – só pode ser resolvida em favor dos réus.”
A absolvição dos réus ocorre na esfera criminal, desta forma, não tem reflexos no acordo que prevê a destinação de R$ 170 bilhões para ações de reparação e compensação das vítimas da tragédia ambiental, assinado em outubro e homologado pelo STF no dia 6 de novembro.
Em nota encaminhada a O TEMPO, a Samarco apontou que a decisão reflete a defesa e confirma que a empresa “sempre agiu de acordo com a legislação vigente.” “A Samarco reitera que lamenta o rompimento da barragem de Fundão, que nunca será esquecido, e reafirma o compromisso com a reparação e compensação integral dos danos às famílias, comunidades e ao meio ambiente”, diz no texto.
Ação foi ajuizada em 2016
A ação penal contra a Samarco foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em 2016 e se arrastava, desde então, na Justiça. A denúncia aponta que, ao construir e operar a Barragem do Fundão, a Samarco teria optado pela criação de “situação típica de riscos”, considerando os métodos construtivos adotados, que seriam mais “inseguros” e o local “menos apropriado”. A ação ainda atribui crimes previstos na legislação ambiental e transgressões tipificadas no Código Penal, como inundação, desabamento e 19 homicídios qualificados pela impossibilidade de defesa das vítimas.
Há também um conjunto de fatos sobre a elaboração e apresentação da “Declaração de Estabilidade” falsa e enganosa pela empresa VOGBR. O MPF sustenta na acusação, ainda, uma suposta omissão da Samarco, Vale e seus diretores e gerentes em informar a Administração Ambiental sobre o direcionamento de rejeitos da Usina Alegria da Vale para a barragem do Fundão.
O julgamento chegou a ficar parado por cerca de três anos durante a pandemia da Covid-19. Em novembro de 2023, o MPF começou a interrogar as 22 pessoas físicas e 4 jurídicas acusadas pela tragédia. Os réus residentes no exterior foram desmembrados, além disso, 15 foram excluídos do processo penal e não respondem mais por nenhum crime.
Movimento dos Atingidos por Barragens pretendem recorrer da decisão
Em nota divulgada à imprensa, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) repudiou a decisão da Justiça e informou que pretende recorrer em instâncias superiores. A organização considera “um disparate o entendimento de que não há nexo causal entre o crime e os indiciados”.
“A decisão da magistrada acontece em um momento extremamente favorável para as mineradoras criminosas, que se apressaram em assinar um acordo de repactuação às vésperas de completar nove anos do crime socioambiental e do início do julgamento em Londres, que também decidirá sobre a responsabilidade da empresa BHP Billiton sobre o rompimento da barragem. Questionamos o verdadeiro propósito dessas recentes e intensas condutas da Justiça brasileira – após um longo hiato de decisões sobre o caso – frente à tramitação do processo na Corte Britânica.”
Além de lamentar o ocorrido, o MAB destacou “confiança” na tramitação do julgamento que acontece em Londres, contra BHP Billiton.
Procurado, o MPF também informou que irá recorrer da decisão.
Julgamento em Londres
O rompimento da Barragem do Fundão, ocorrido no dia 5 de novembro de 2015, matou 19 pessoas e afetou mais de 40 municípios, em área da mineradora Samarco. Paralelamente ao processo analisado pela Justiça Federal no Brasil, há outro julgamento em andamento em Londres, que se estenderá até março de 2025, para discutir eventual responsabilização cível da BHP Billiton, sócia da Vale na administração da Samarco.
O escritório de advocacia Pogust Goodhead representa cerca de 600 mil vítimas do rompimento da barragem, sendo 23 mil quilombolas e indígenas Krenak, Tupiniquim, Pataxó e Guarani, 46 municípios e, aproximadamente, 1.500 empresas, autarquias e instituições religiosas. A acusação é de que a multinacional, entre outros pontos, teria sido responsável por poluição, pelo colapso da barragem do Fundão, objetiva e subjetivamente, por ação ou omissão voluntária, e pelos danos causados enquanto acionista controladora da Samarco.
O Pogust Goodhead também se manifestou após a decisão da Justiça Federal no Brasil. Em nota, o escritório de advocacia apontou que “segue convicto da absoluta necessidade de justiça e reparação” pela tragédia, complementando que o julgamento na Inglaterra permanece.
“A ação em Londres está em curso e tem revelado, dia após dia, com farta documentação, a completa negligência das empresas envolvidas que culminaram nesta tragédia. A justiça inglesa vai julgar a responsabilidade civil, não criminal, com a devida reparação às vítimas em caso de condenação da BHP. A questão penal é uma prerrogativa da justiça brasileira, sobre a qual não nos cabe comentar.”
Fonte : Jornal O Tempo